segunda-feira, 11 de abril de 2011

QUINZE DE MAIO DE DOIS MIL E NOVE

e de repente já nada do que importava importa agora
Glória ao que se cala desenterra a vida nessa abundante fonte que mata a sede ao que vive no deserto. (o louco) arde.

sábado, 9 de outubro de 2010

A FORÇA QUE IMPELE ATRAVÉS DO VERDE RASTILHO A FLOR

título de a mão a assinar este papel, Dylan Thomas

domingo, 26 de setembro de 2010

DOS NOMES #1

Viver na intimidade de um ser estranho, não para nos aproximarmos dele, para o dar a conhecer, mas para o manter estranho, distante, e mesmo inaparente - tão inaparente que o seu nome o possa conter inteiro. E depois, mesmo no meio do mal-estar, dia após dia não ser mais que o lugar sempre aberto, a luz inesgotável na qual esse ser único, essa coisa, permanece para sempre exposta e murada.

Ideia do Amor em Ideia da Prosa, Giorgio Agamben, ed. Cotovia, p.51

sábado, 21 de agosto de 2010

Meu Deus que me fizeste toda amor, consola-me
Meu Deus que antes mesmo de mim já tinhas feito o amor que me cabia, consola-me
Meu Deus que me fizeste toda liberdade, toda a inteligencia e toda agilidade consola-me
Meu Deus que fizeste em mim lugar para o espanto, consola-me
Meu Deus que me deste um corpo capaz desse lugar, consola-me

quarta-feira, 28 de julho de 2010

O POEMA É UM EXERCÍCIO DE DISSIDÊNCIA (...) NÃO HÁ POEMA VERDADEIRO QUE NÃO TORNE O SUJEITO UM FORAGIDO (JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA)

(ACENA-ME OUTRA VEZ COM OS MALMEQUERES)

Não deixa de ter graça ver
este mau selvagem brandir
certos trejeitos bucólicos

o que é um poema afinal (qualquer um) senão
a enunciação insistente da mesma verdade:

é tarde demais (Miguel-Manso)

sábado, 24 de julho de 2010

sábado, 17 de julho de 2010

terça-feira, 13 de julho de 2010

AS CASAS FORA DOS SÁBADOS

Sempre me espantou a prática da construção- arcaica
Anos na faculdade, sem grande afinco é certo, a estudar a displina na erudição que querem ser as salas de aula que substituem agora os anfiteatros
Chegando ao estaleiro parece sempre pouco diferente das casas-na-árvore: se se aguenta está bom; se parece sólido confia; experimenta. Funciona? Então fica assim.
Cálculos sem fim de especialidades variadíssimas, horas de verificação e aferição de desenhos extensíssimos, correcções milimétricas em ecrãs de mais de muitas polegadas.

Em chegando é toda uma outra disciplina, toda uma nova vida de matéria simplesmente agregada.

sábado, 8 de maio de 2010

AS CASAS #2

de te ter tido
o torso longo
na eternidade
de uma varanda

repetimos,
de cada vez
sem sucesso
o gesto social
da despedida.

sábado, 6 de março de 2010

AS CASAS #1

era uma casa cónica com paredes de zinco, as juntas agrafadas: um funil, um megafone, um manifesto.
simultaneamente um hino ao labor ardente dos que trabalham os metais

sábado, 21 de novembro de 2009

ALEXANDRIA:

e despede-te etc etc etc

sábado, 7 de novembro de 2009

olha como é feia e desconfiada mulherzinha de gabardine, olha como tensiona a boca enquanto finge gozar de uma agradável leitura, olha como saltita nervosa passando o umbral da porta, olha como nenhum dos lados lhe serve, como não há umbrais para ela. olha como não te olha nunca, como gasta tudo o que toca, olha como come as coisas. olha como aponta os dedos todos, desfigurada.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Eu sou a mulher que atravessa as noites- as vidas- como um fantasma
Tu chegaste e viste com são por dentro,
bendita atenção a tua.

E não nos mates naqueles que nos levaram
Dentro do peito na partida

domingo, 4 de outubro de 2009

tenho muita sede
tenho muita sede
isto que se demora não é o tempo
já sei.
e a água aprendemo-la da sede
tambem já sei
sei poemas de cor na lavandaria
entre cuecas alheias ou o que fòr
sei os poemas de cor
sou assaltada
fico sem nada
com esta imensa sede
a geografia da sede
os pátios a elevarem-se
e as mulheres grutas
roucas de desejo
e a falta de sombra
que não tem onde pousar
não tenho nada
por causa da sede
tenho o pensamento em perigo
alucinações
perderei os sentidos
já devias ter chegado
de cântaro à cabeça

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

alguem me fale do que vem depois do verão

do calor que guarda o chão das casas

domingo, 13 de setembro de 2009

sabes que um dia vamos estragar isto

a atenção precisa para que isso nao aconteça é insustentável.

ainda assim eu só quero a minha orelha contra o teu peito e a tua mão sobre o meu joelho dobrado e nu,

literalmente.

domingo, 6 de setembro de 2009

DAS ESTAÇÕES #2

gastara o verão a alongar-se mais do que podia pelos paredãos ao fim das tardes, a comprar flores pequenas pelas manhãs. Sem chegar, sem chegar, todo o caminho reluzente, e agora já não acreditava nos caminhos que lhe pediam que fizesse, ela que sempre soube que importava correr imediatamente para o mar, sempre lhe disse isso, mas o passeio era tão bonito, e ela sempre gostou de passeios e tudo, mais que todos até, sempre impôs o seu ritmo absurdamente lento às promessas.

Agora alongava-se até onde já não podia o seu pobre coração sempre um pouco mais adiado.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

DAS ESTAÇÕES

tenho o coração exposto às intempéries.
ainda ontem, enquanto tentavas dormir
toda a noite velei o incêndio que lavrava a serra (ou seria no teu coração?)
ver-se-ia da praia concerteza. Acordou-me o cheiro inconfundível e conhecido
vim ver passar as nuvens espessas
a imagem das chamas nos olhos, os cães a ladrar, os ninhos a estalar, a serra possuída.
Amando os cataclismos
dormi quando enfim dormiste
o céu limpo

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

as mãos postas

como devem ser as nascentes dos rios

a noite posta como se dão os principios

como dois pés que entre si se organizam

na direcção

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

CADA CEM ANOS, SEBASTIÃO

Hirto
como pilotis.
.
E também a pele, polida,
a magreza, calça e camisa.
.
Parece que vai nu, coroado
de flores miúdas e de mirto.
.
Pátio leve, manhã clara.
O prédio como que se elevara
.
para que o rapaz
passasse. (Eucanaã Ferraz)

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Transiberiano

Reconheço esta manhã de verão, vem das latitudes a Norte para onde levas de férias o coração.

Como é estrangeiro o sossego/ de quem não espera recado.
Amargo não poder guardar-te/ em chão mais próximo do coração. (Daniel Faria)

Esta luz, não me engano, vem de quando fechas o estore e a cortina para mal poder dormir.

terça-feira, 14 de julho de 2009

QUASE SONETO DE VERÃO

Que fará das mãos
Que não têm o ponto para tecer a malha
Que se acumula louca e mansa
Nas barraquinhas da praia?

O corpo bronzeado da tecelã
Agitando-se por alguém
Que lhe acuda a abundância.

O corpo estreitado de aflito da tecelã
Os cabelos aos molhos e do vento
Amando Sebastião que não vem
Os pés fincados na areia.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Por enquanto ainda se demorava à porta de sua casa, atrasava o passo só isso. Não tocava, não chamava, não atirava predrinhas, como pôde? Já quase não fingia ter de apertar os atacadores ali perto, atirando solene a melena numa pose de cinema ao levantar-se.

sábado, 13 de junho de 2009

AO DOMINGO EU DANÇO

Vai embora, mascara-te do mais alto imprevisto, distrai-me com qualquer coisa, eu distraio-me tão facilmente, monta uma esquina, chama a multidão e nem darei por nada. Direi para sempre que nos desencontrámos e que nunca mais se pensou nisso, que o destino é macaco e que os desígnios do Senhor são insondáveis mas que acolheremos com todo-o-amor-que-não-sabemos-como-não-dar a direcção que nos foi reservada. Vai embora e trabalha por acreditar que o plano resultou.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

VERNISSAGE/FLÛTE/CHAMPAGNE/DÉCOR

Um galho quebrado, presumido pequeno utensílio/artefacto em madeira engordada e perfumada da camada intermédia da idade do ferro, quase na idade do bronze, que serviria para aplicar unguentos nas paredes das casas dos primeiríssimos ferreiros, espeto de pau.
Um galho quebrado deixado magnificamente caído sobre o plinto iluminado que fazia a única peça da exposição. A negação da verticalidade fazia as manchetes artísticas mas tu não lias os títulos. Para saber pouco e mal, desde que houvesse champanhe, preferias não saber nada.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

CIRCULAR

Uma casa arruinada, oh, a mais bela casa. As casas nascem quando há duas pessoas no mesmo lugar, nada podia ser tão literal como a construção desta casa banal. Eu sempre gostei das ruínas das casas que nunca soube como manter. Remédio santo, que me transforme em pedras apenas agregadas para viver contigo mais um pouco. Enquanto esta casa tende, como tudo o resto, à horizontalidade, que me deleite no processo e que tenha enfim dois pés sobre o que é, magnificamente, meu.
E aí vai ela como uma louca atrás de cada seta perdida, obviamente muito mais velozes do que alguém com dois pés postos no chão. As setas que me foram roubadas ainda por cima, com a minha própria mistura dentro. Não, não corro para recuperar os meus pequenos bens. É bem verdade que fazem maravilhas com eles, mas eu não saberia voltar a ordená-los para o estéril milagre. Não sei se gostas da tua herança roubada, acho que ultimamente deitarás tudo na sarjeta para que se juntem às pedras cada vez mais abrasadas, pequenos seixos finalmente rolados no fundo do leito da nossa praia fluvial. Devolvido tudo enfim ao oceano, expelido filtrado, para que possas voltar a dormir ao relento como quem escolhe.

sábado, 30 de maio de 2009

A QUE DISTÂNCIA DA LÍNGUA COMUM DEIXASTE O TEU CORAÇÃO?

Eu serei dois pés postos na terra, tudo o resto será vosso.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

FELICIDADE É UMA CASINHA SIMPLESINHA, COM GERÂNIOS EM FLOR NA JANELA

O que eu queria era que aqui chegasses, posto em sossego, trazendo de volta o que é meu como a promessa de um passeio, amanhã, que aqui chegasses como sempre vens, devagar.
É esta a bandeira que trazes hasteada e que ao longe vejo para desconsolo da distância.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

QUEBRAR PARA O LADO CERTO

Hoje apareceu um Santo António em granito na mesa de entrada da casa onde vivo. Digo apareceu porque é uma espécie de milagre como eventualmente, e sem qualquer relação com a sucessão de acontecimentos que faz de uma casa as pessoas que nela vivem, se fazem devoções e altares avant-la-lettre.